O que faz de Sorocaba, Sorocaba?
Discurso proferido pelo Prof. Luiz Almeida Marins Filho, presidente de honra da Fundação LAMF na abertura das comemorações do aniversário de Sorocaba em 15 de agosto de 2005 junto à estátua de Baltazar Fernandes, Fundador de Sorocaba.
Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Sorocaba
Exmo. Sr.Presidente da Câmara Municipal
Exmo. Sr. representante do Poder Judiciário
Demais autoridades civis, militares e eclesiásticas.
Senhoras e senhores
Falar sobre Sorocaba é um grande desafio. Sorocaba não é uma cidade qualquer. Sorocaba não é uma cidade dentre tantas que fazem o nosso glorioso Estado de São Paulo e o nosso tão querido e maltratado Brasil.
Sorocaba é única em todos os sentidos que a palavra única possa ter. Única em sua riqueza histórica. Única em sua estrutura e organização social. Única na diversidade de sua gente. Única na forma e na essência de ser como cidade e como povo.
Há muitos anos, como antropólogo, de “jeitão andarengo que herdei de meus antepassados tropeiros” – como diria Érico Veríssimo, esse outro amante de Sorocaba – assalta-me a curiosidade intelectual e alguém dirá, pseudocientífica, de compreender esta terra de Baltazar Fernandes. Tão rica, tão magnífica, tão simples, tão diferente, novamente única.
O que faz de Sorocaba, Sorocaba com certeza tem suas raízes neste bandeirante de Santana do Parnaíba. Com certeza tem suas raízes nas bandeiras de Pascoal Moreira Cabral que funda Cuiabá e tantos outros pioneiros das bandeiras do expansionismo territorial brasileiro.
O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes ainda no expansionismo tropeiro, do homem rude, simples, andarengo e essencialmente comerciante, que fundou – é a grande verdade histórica – as pequenas vilas, hoje grandes cidades do Sul do Brasil – Vacaria, Passo Fundo, Ponta Grossa, Lapa até Viamão próxima ao Alegre Porto do Rio Guaíba.
O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes nas tentativas de correr o ferro em Ipanema, de Fernando Sardinha à “suecada” de Edberg, às intrigas de Varnhagen, o pai.
O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes no filho do alemão que destronou o sueco e fez o ferro correr em Ipanema, O “Paulista de Sorocaba” – Francisco Adolpho de Varnhagen – o Visconde de Porto Seguro – O Pai da História do Brasil – sepulto e esquecido por todos nós na rotatória da Praça Edmundo Valle, a quem tive a honra de transladar do Chile com outros valorosos sorocabanos no centenário de sua morte. Talvez Varnhagen seja um de nossos maiores heróis. Foi ele quem inaugurou no Brasil a história com base em documentos e que, por isso, ganhou o cognome de “Pai da História do Brasil”. E para quem ainda não sabe, exigia que se escrevesse sob seu nome “Paulista de Sorocaba”.
Gostaria de neste 15 de agosto em que me foi dada a honra deste parlatório, pedir ao Exmo.Sr.Prefeito, Vice-Prefeito e a seus secretários, especialmente ao da cultura que encontre um local mais digno do que a sobredita rotatória para abrigar os restos mortais do maior vulto da historiografia brasileira, o Pai da História do Brasil.
Qualquer lugar menos indigno do que uma simples rotatória faria com que sua alma descansasse em paz, mas tenho a ousadia de afirmar que talvez a nossa Praça Central ou mesmo este Largo de São Bento onde nasceu Sorocaba lhe seja o local apropriado, pois que em nossa história dificilmente teremos alguém tão importante e que tanto contribuiu para a educação e para a cultura e formação de nosso povo brasileiro e suas elites como o nosso Visconde de Porto Seguro, Francisco Adolfo de Varnhagen, o Paulista de Sorocaba. Fica, pois aqui, Preclaro Alcaide, o meu irreverente pleito.
Mas terá sido Varnhagen o nosso maior herói?
E Tobias? O que dizer dele. Presidente da Província. Fundou a Força Pública de São Paulo, hoje Polícia Militar do Estado de São Paulo que tanto orgulho nos causa. E como bom sorocabano, diferente, único, tropeiro, exigiu que todos os cavalos de sua Força fossem “pampas”. Daí, no Sul do Brasil, o nosso cavalo malhado, pampa para nós, ser chamado “Tobiano”. E assim é chamado no Uruguai e na Argentina e, pasmem, até nos livros sobre cavalos nos Estados Unidos, há menções sobre o “The Tobian Horse” – que, como que parecendo comprovar a nossa simplicidade tropeira – ninguém sabe de onde veio esse estranho nome, mesmo no Sul do Brasil, ainda menos em terras estrangeiras.
Ou será que devemos mencionar a participação de Feijó e seu jornal – O Liberal – o primeiro do interior – ou ainda ressaltar o valor histórico, novamente esquecido e relegado da Revolução Liberal de 1842 que fez Caxias nos visitar?
Ou será Mailasky a quem devemos homenagear pela construção da Estrada de Ferro Sorocabana?
Ou ainda será o Comendador Pereira Inácio, sogro de José Ermírio de Moraes, que com sua pequena tecelagem dá início ao maior grupo industrial e empresarial brasileiro, o Grupo Votorantim?
Paro aqui. A Prudência, como diz Santo Tomás, é a virtude que deve reger as outras três, das quatro virtudes cardeais – a temperança, a coragem e a justiça. E é prudente parar aqui.
Não fora pela prudência e pela temperança, tomaria eu a terceira virtude – a coragem – e citaria dezenas de sorocabanos e outros aqui aportados que fizeram de nossa terra este lugar único que hoje reverenciamos. Teria eu que falar de nossos educadores – talvez desde o Prof. Toledo e sua inovadora experiência educacional, ousada e única em sua época. Teria que comentar da luta para fazer de Sorocaba um pólo de educação superior com a forte influência da Igreja com Pe. Pieroni, e o nosso amado Dom Aguirre, é claro.
Teria que falar da influência do Senador Vergueiro na política ou do Matarazzo e dos Scarpa na indústria. Não poderia olvidar médicos, engenheiros, advogados.
E no esporte? Quantas glórias no basquete, no vôlei, no futebol, etc.
E nas artes e na literatura? Seria temerário numerá-los a todos. Atores, diretores, pintores, cantores, escritores.... ontem e hoje.
São tantos os nossos vultos, locais e nacionais. São tantos os nossos heróis. É tão rica nossa história que mais vale calar do que falar. É melhor optar pela prudência do que pela coragem, pois repetindo Santo Tomás, é prudência que deve governar as outras três virtudes cardeais.
E aqui parece estar novamente uma de nossas forças e ao mesmo tempo uma de nossas maiores fraquezas: somos simples demais, humildes demais, acanhados demais, escondidos demais. Ás vezes parece nos faltar coragem de mostrar o que somos e os valores que temos. Ás vezes parecemos querer esconder nossa história.
Mas, o que pode parecer ser falta de orgulho de nossa história gloriosa e de nosso pujante presente, mais me parece uma timidez própria de um solitário bandeirante ou de um tropeiro viajor que nunca contava vantagens sobre si próprio, pois que sempre estava longe de casa e poderia pôr em risco a sua família.
O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes na grandeza dessa simplicidade bandeirista e na rudeza tropeira do condutor de mulas, do astuto comerciante, do homem que sabia que mais valia chegar vivo e encontrar a sua família do que arrotar riqueza e viver na pobreza ou no medo de parecer o que não é ou de ser o que não deveria parecer.
Grandiosa e simples. Forte nos conteúdos e fraca nos continentes. O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes na ausência de uma aristocracia rural, onde o que vale são o trajar, o falar bonito, o dar festas caras, o de aparentar o que não se é; o de contar o que não se tem; o de viver o que não é vida em nome das aparências, do luxo, da ostentação que parece ser a religião dos falsos e dos pobres de espírito, dos que valorizam o continente e pouco têm de conteúdo.
Grandiosa e simples. Forte nos conteúdos e fraca nos continentes. O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes nesta Igreja de Santana, neste Mosteiro de São Bento, pois que a simplicidade do homem sorocabano mais me faz lembrar a humildade de São Bento e o rigor da "Regra" que sempre impôs a seus monges e seguidores. “Todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado”, como afirma a sétima Regra de São Bento.
Sinto uma tentação imensa de pensar que São Bento, esse extraordinário Santo, (e não o time...) foi quem mais influenciou a “cultura” ou o ethos do sorocabano-tipo. Digo isto porque quando se lê os “12 Passos de São Bento à Humildade” vemos o espírito beneditino sutilmente impresso na alma sorocabana: Permito-me lê-los:
1. Respeite as regras simples;
2. Rejeite seus desejos pessoais;
3. Obedeça aos outros;
4. Agüente a aflição;
5. Admita sua fraqueza;
6. Pratique a satisfação;
7. Aprenda a se repreender;
8. Obedeça a regra comum;
9. Entenda que o silêncio é precioso;
10. Reflita sobre a humildade;
11. Aja com simplicidade;
12. Seja humilde na aparência.
Grandiosa e simples. Forte nos conteúdos e fraca nos continentes. O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes nesses 12 passos que os monges beneditinos nos fizeram impregnar em nossas mentes e em nossos corações. O sorocabano não fala de suas riquezas, pois aprendeu que o “silêncio é precioso” (9). Bandeirantes e Tropeiros, quem mais “agüentou a aflição”? (4). Eles ou suas famílias deixadas na sala de espera da vida rude e difícil sem saber se o abraço da volta era apenas um sonho ou quimera?
Grandiosa e simples. Forte nos conteúdos e fraca nos continentes. O que faz de Sorocaba, Sorocaba, com certeza tem suas raízes na história remota e na história recente dos que aqui chegaram, como os Espanhóis retratados por Sérgio Coelho ou nos de origem árabe ou judia, italianos ou portugueses, brancos, negros, mulatos, cafusos... Sorocaba abriga a todos, com uma igualdade social de dar inveja a Platão em sua “República” e Thomas Morus em sua “Utopia”. Como uma cidade de raízes mercantís, toda diferença é dada pelos haveres e não pelos seres permitindo-se a todos os seres conquistarem seus haveres por seu mérito, trabalho ou sorte.
Mas será isso uma verdade sociológica? Apresso-me a dizer que não.
Mas é uma quase-verdade como diriam os sofistas, pois que não temos em nossa Sorocaba famílias nobiliárquicas, locais exclusivos ou sagrados por genealogia, história social ou antecedentes de importância. Mal conseguimos fazer cumprir os protocolos das cerimônias oficiais e nos sentimos desconfortáveis nos ternos e nas gravatas ou nas camisas de cambraia engomada tão a gosto das cidades originadas da aristocracia rural.
Sinto vontade de afirmar que em Sorocaba, de forma única e até incrível, “status” e “papel social” não são necessariamente conseqüentes para um sorocabano. O seu “status” no sentido Weberiano do termo “o que o faz ter precedência” não é função direta de seu “papel” ou cargo, mas sim de sua capacidade de ser amigo e fazer amigos, de ser querido e fazer-se amado, de tratar bem os outros e até de ser um gentil anônimo que poucos sabem sequer o sobrenome.
O que faz de Sorocaba, Sorocaba, é que o verdadeiro “status” possui, de fato, o nosso melhor amigo, o nosso filho, a nossa filha, a nossa esposa, o marido, as pessoas simples que nos cumprimentam numa clara manhã de céu azul ou num vermelho pôr-do-sol por detrás do Araçoiaba.
Em nossa terra ninguém recebe melhor uma autoridade importante do que um amigo simples e fiel. Vale aqui a importância de não ser importante. A riqueza de fazer-se pobre. A grandeza de não ser grande e até, não fora um absurdo filosófico, o orgulho de sentir-se humilde.
Para nós o homem importante não é o rico, não é o famoso, não é o cheio de cargos ou encargos. Importante, para nós sorocabanos é o puro, o simples, o sincero, o vazio-de-si, aquele que participa, que ajuda, que faz calado, que nos acompanha nas pescarias e nas andanças a Mongaguá, que não tem vergonha de pechinchar, que diz o sente e sente o que diz.
Grandiosa e simples. Forte nos conteúdos e fraca nos continentes. O que faz de Sorocaba, Sorocaba, é este amor correspondido que este povo de rica história, de heróis nacionais, de conquistadores e pioneiros tem por esta doce terra de Santânas, de São Bentos, de Supiriris e Baltazares.
Feliz aniversário Sorocaba. Continue jovem, industrial, comerciante, bandeirante, tropeira, serviçal, simples e feliz. É assim que a construímos. É assim que a queremos. É assim que a amamos.
Muito obrigado!
Luiz Almeida Marins Filho, 15 de agosto de 2005.