Ensinar a Aprender - reflexões de Eugenio Mussak

Ensinar a Aprender segundo Eugenio Mussak

Aquele rapaz era dotado de uma perspicácia acima da média dos jovens de sua idade. Certo dia virou-se para sua mãe, que tinha a profissão de parteira, e disse: “Mãe, sabe o que eu percebi? Que não é você que faz o parto. Você apenas dá uma mãozinha, ajuda, facilita, mas quem dá à luz a criança é a própria natureza”. Não sabemos qual foi a reação da mãe, ao ser confrontada com tal realidade – afinal, ela sempre considerou que, sem ela, o parto não aconteceria –, e nem sequer sabemos se foi exatamente assim que o fato se deu. Mas não importa; a história faz todo sentido, especialmente para os educadores.

O nome do rapaz era Sócrates, o primeiro dos grandes educadores, que, fazendo analogia entre um nascimento e o aprendizado, cunhou a idéia da maiêutica, que, em grego, significa literalmente “a arte de dar à luz”. Segundo ele, a função do professor equivale à de um parteiro – facilitar o processo da aprendizagem. O conhecimento nasce por conta própria quando chega o momento. O aluno constrói o conhecimento em sua cabeça a partir das informações que o professor lhe disponibiliza, confrontando tais saberes com sua realidade pessoal. Quanto maior a aproximação entre o novo saber e a vida do aprendiz, maior a garantia da aprendizagem.

Passados 25 séculos não temos como contradizer Sócrates. Aliás, cada vez mais concluímos que ele tinha razão. O educador americano Bob Gowin, por exemplo, avaliza a maiêutica quando diz que “Educação é um fenômeno social em que alguém, chamado professor, compartilha significados com alguém, chamado aluno”. Repare, ele não disse que o professor compartilha conhecimentos, e sim significados. Bingo! A função do professor não é a de passar conteúdos programáticos e sim a de criar os espaços de curiosidade a serem preenchidos pelos conhecimentos construídos.

Eu comecei minha carreira dando aulas de biologia lá no início da década de 1970. E foi numa aula sobre peixes que eu recebi um grande ensinamento, diretamente de um aluno questionador, daqueles que sentam bem na frente. Depois de explicar as principais diferenças entre os peixes ósseos e os cartilaginosos, terminei dizendo:
- E outra diferença muito importante é que os peixes ósseos excretam amônia, enquanto os cartilaginosos excretam uréia. Nunca se esqueçam desse detalhe.

O que aconteceu em seguida marcou minha carreira de professor. O tal aluno levantou a mão, respeitoso, mas com um estranho sorriso irônico, e disse:
- Professor, devo lhe dizer que essa informação mudou minha vida para sempre. Aliás, não sei como consegui viver até agora sem saber a diferença da composição química da urina da truta e do tubarão.

É claro que a reação da turma foi imediata, e eu nem sequer pude me irritar com as risadas nem com o comentário. Ele era irônico, sim, mas inteligente e cheio de razão, pois afinal, o que interessa isso para uma pessoa, se ela não for um zoólogo ictiologista? Qual o papel de tal informação para melhorar a qualidade da vida de quem quer que seja, a não ser, é claro, garantir sua nota na prova de biologia? Nenhuma. Não tem significado prático. O assunto assim apresentado o aluno não aprende, decora. E depois da prova esquece. Comprometimento zero com o assunto em questão.

Após esse traumático – mas pedagógico – acontecimento, passei a me interessar menos pela matéria, a parte simples; e mais pelo ser humano (a quem chamam aluno) sentado em minha frente, este, a parte complexa do processo de aprendizagem.

Transmitir conteúdos é o que se convencionou chamar de ensinar. Não é. Ensinar é fertilizar a mente do aluno com o adubo da curiosidade e do significado, para então ali depositar a semente do conhecimento. Educadores, eduquem. Não ensinem matérias. Ensinem a aprender – essa é a nobre arte da educação. Sócrates tinha razão. Somos parteiros, e não parturientes. Não damos à luz, apenas mostramos onde ela está.

Eugenio Mussak
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